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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

No Facebook duramos para sempre? Pergunta da Briefing a Luis Spencer da Web Strategist - Grand Union Portugal

Falar sobre a morte nunca é um tema fácil. Para algo tão inevitável e que acaba por acontecer a todos, o tema irá sempre suscitar as mais variadas emoções e reflexões. Este tema surgiu-me por estar no Facebook no outro dia e receber um post no meu feed com as fotografias de alguém que já tinha morrido. Pelo link das fotos cheguei ao perfil dessa pessoa e percebi que o perfil dela ainda estava bastante activo – desde mensagens na wall a posts a mandar ingredientes para o Café World. Verifiquei que o perfil de Facebook outlived a pessoa real. E fiquei a pensar neste assunto desde então – qual o impacto da morte para as redes sociais?


Não sou o primeiro a falar do tema – muitos já reflectiram sobre o tema da morte nas redes sociais. Neste caso, falo mais especificamente do Facebook pelo impacto da rede e pela forma como cada um expõem da sua vida pessoal neste meio e a intensidade das relações – o Facebook é actualmente diário, álbum de fotografias e histórico das relações pessoais. Dei por mim a questionar – como é que o Facebook encara a morte de um dos seus utilizadores?

Já repararam certamente, do lado direito do vosso feed, nas opções que costumavam aparecer – que sugeriam utilizadores que têm amigos em comum com a pessoa logada ou sugeriam utilizadores com a qual não têm contacto há algum tempo. Creio que esta opção ou desapareceu ou não está simplesmente activa no meu perfil. No entanto, não são poucas as pessoas que, quando esta funcionalidade existia, davam por si a receber mensagens para fazerem “reconnect” com amigos e familiares que já tinham morrido. Esta mensagem, enquanto derivada de um algoritmo que detecta a relação entre dois utilizadores e a sua falta de interacção na rede e responde com um estímulo automático, provoca as reacções mais diversas. Pode provocar saudade na memória de alguém querido. Pode levar alguém às lágrimas. Pode provocar um sorriso a quem compreende o que aconteceu e até acha a situação caricata. Mas o que a maioria dos utilizadores irá fazer é clicar no perfil – e por uns breves momentos ver a sua pessoa querida viva num memorial online.

No momento da sua criação, o Facebook era muito direccionado a jovens e pensar no contexto da morte neste momento seria improvável – apesar de não haver uma relação directa entre um tema e outro. Para além disso, o Facebook sempre foi considerado como um espaço de alegria, democracia e partilha de informação onde certas questões não têm tempo de antena. No entanto, o facto é que o Facebook tem noção que os seus utilizadores morrem, e tem desde o seu inicio uma página que permite aos utilizadores solicitarem a eliminação de uma página de alguém que já morreu. Este perfil pede alguma informação pessoal, inclusivamente grau de parentesco/relação com o mesmo e uma prova da morte (link para obituário ou noticia que confirme a morte). Esta página será simplesmente apagada. Só quando é pedido para apagar é que este utilizador deixa de aparecer nos amigos sugeridos ou nas opções do “Reconnect with…”.

O Facebook, originalmente, logo que sabia da morte de um dos seus utilizadores apagava o perfil do mesmo, apagando qualquer prova da existência dele na rede social. No entanto, quando aconteceram os tiroteios de Virginia Tech em 2007, amigos e familiares das vítimas pediram ao Facebook para os deixarem homenagear através dos seus perfis. Desde então o Facebook dá a opção de não apagar as páginas, mas sim transformá-las em páginas de tributo que, sem alguma da informação pessoal que constava e invisível das buscas dentro da rede social, permitem aos seus actuais amigos ter a memória eterna dos seus entes queridos.

Quanto mais eu dei por mim a pensar neste assunto, mais eu percebi que todas estas questões de processos estavam apenas a raspar a superfície do impacto de uma morte no Facebook. Isto quando cruzamos o modelo de Kübler-Ross quanto às 5 fases que passamos na aceitação da morte e a própria natureza de uma rede social. Qual o impacto que uma simplesmente mensagem de “Reconnect with” pode ter numa pessoa que está a passar pela fase de Depressão? Qual o impacto que a existência de uma página de perfil, que está sempre ali disponível como se ainda estivesse viva, tem numa pessoa que está na fase de Negação? E acima de tudo, como pode uma página de tributo dar conforto a quem já chegou à fase de aceitação?

Quando fazemos o cruzamento, verificamos que cada aspecto da presença do utilizador no Facebook poderá ter um determinado impacto quando lidamos com a sua morte. Mas se dermos um passo atrás, é fascinante observar o impacto que o Facebook consegue já ter em momentos tão cruciais como o nascimento ou a morte. Quando nasce alguém, sabemos que as pessoas mais próximas anseiam pelas suas primeiras fotografias na rede – os primeiros tags, os primeiros likes, os primeiros “tudo” – que já passam pela rede social. Da mesma forma, a seriedade da morte no Facebook leva algumas pessoas a considerar que o Facebook terá um dia de ser considerado uma instituição social que, tal como muitas outras, deveria ser notificada aquando a morte de alguém para proceder às necessárias alterações à página de perfil. Só o facto de alguém já ter considerado isto demonstra o ponto de viragem quanto à presença da rede social na sociedade.

Esta questão ganha ainda mais interesse quando olhamos para a morte e o seu reflexo digital de um ponto de vista de negócio. A questão da morte aplicada à Web não é recente – aliás existem serviços como o Legacy Locker, que é um repositório da propriedade digital de um utilizador que será passado aos familiares aquando a morte do mesmo; ou outros como o 1000Memories, que cria um slideshow de memórias de um utilizador. O próprio Facebook permite a um utilizador fazer um download do seu histórico/perfil, podendo ter um backup de tudo o que fez na rede social para recordar ou passar a alguém para essa pessoa recordar. Para além disto, é assustador o potencial que um estatuto de “Morto” pode ter no contexto de Facebook Ads. Creio que seria considerado de mau gosto uma agência funerária segmentar anúncios no Facebook a familiares de alguém com uma mudança de status para pior – mas se olharmos da perspectiva pragmática, seria apenas a declinação de um negócio infelizmente necessário para o contexto das redes sociais. Atenção – não estou a dizer que concordo ou discordo. Estou apenas a demonstrar como existe aqui uma linha ténue entre a Morte e a Oportunidade.

No final do dia, ficam os vivos a reflectir o que os mortos já sabem. Não existe uma resposta fácil ao que o Facebook deverá fazer quando alguém morre. A meu ver, o que fazem já me parece ser o suficiente. Da mesma forma que as cartas de um defunto continuam a ser enviadas para o mesmo caso a entidade não seja notificada, o Facebook tem exactamente o mesmo direito de continuar a notificar as suas listas de amigos para “Reconnect” com ele. E sabem que mais – o facto é que eu fui ver as fotografias naquele dia. E por breves momentos eu lembrei-me daquela pessoa com um sorriso nos lábios. Não irei submeter a página para ser um tributo ou ser apagada – indiquei às pessoas que têm de tomar essa decisão no seu lugar. Mas por enquanto, fiquei contente pelo breve reencontro que consegui ter com ela – e fiz um like que significou tudo para mim a uma fotografia que pensei que nunca mais viria. Creio que aí percebi que estava na fase de aceitação.

Luis Spencer Freitas
Web Strategist - Grand Union Portugal
Fonte: briefing
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